O que esperar para as vendas do varejo no próximo ano?
Cenário de crédito é favorável para comércio varejista, mas a lenta recuperação do mercado de trabalho ainda limita expansão do consumo, de acordo com economistas da Boa Vista
Enquanto começa a contabilizar as vendas de Natal –principal data do ano para o varejo –, o comércio já volta suas atenções para 2019, quando terá início o governo do novo presidente eleito. O que esperar para as vendas do varejo no ano que vem?
Apesar de um fim de ano positivo –a Boa Vista estima que o volume de vendas no Natal cresça 3,5%, após alta de 4,7% na Black Friday –, 2018 frustrou um pouco as expectativas iniciais do mercado, que chegou a apostar em alta de mais de 4% das vendas do varejo no início do ano. Ainda assim, o crescimento de 3% estimado para este ano terá superado os 2,1% registrados em 2017.
Pelo menos três fatores estão por trás do crescimento das vendas menor do que o esperado inicialmente.
Em primeiro lugar, a greve dos caminhoneiros, que paralisou o país por 10 dias no final de maio, gerando problemas de abastecimento que, além de resultarem na queda das vendas do comércio –que recuaram 1,2% naquele mês em relação a abril, já descontados os efeitos sazonais –, tiveram impacto significativo na confiança dos consumidores, que, mais cautelosos, passaram a adiar decisões que envolvessem endividamento.
A partir de julho, passada a Copa do Mundo, a desconfiança dos consumidores foi realimentada pela incerteza decorrente da corrida presidencial (segundo fator determinante na revisão das expectativas).
Em setembro, quando o dólar chegou à máxima de R$ 4,19 – reflexo do aumento da incerteza –, as vendas do varejo voltaram a registram uma expressiva queda – de 1,3% na comparação com agosto, já descontados os fatores sazonais.
Por fim, a recuperação do mercado de trabalho ao longo do ano, mais lenta do que o esperado, limitou a retomada do consumo e pode ser apontada como o terceiro fator que justifica a revisão para baixo das projeções para o crescimento das vendas.
Apesar da ainda elevada taxa de desemprego (11,9% no trimestre encerrado em setembro), a criação de postos de trabalho ao menos foi suficiente para derrubar a inadimplência dos empréstimos com recursos livres às pessoas físicas para 4,9% em outubro de 2018, o menor patamar da série histórica iniciada em março de 2011.
A redução da inadimplência abriu espaço para a diminuição das taxas de juros e o aumento da oferta de crédito. A despeito da cautela dos consumidores, as concessões de crédito às pessoas físicas vêm registrando crescimento, impulsionadas pelas modalidades de crédito consignado, crédito pessoal e crédito para aquisição de veículos.
Após três anos de queda e um crescimento tímido em 2017, as vendas de veículos dispararam e vem subindo a uma taxa de mais de 10% no acumulado de 12 meses.
O elevado nível de desemprego, porém, ainda limita uma retomada disseminada do consumo: se, por um lado, as vendas de veículos estão crescendo neste ano (15,7% até setembro), as de outros bens semiduráveis e duráveis, como vestuário, calçados, móveis e eletrodomésticos, também dependentes da propensão ao endividamento, registram queda em 2018 após a expressiva alta do ano anterior.
Tudo indica que consumidores estão pouco a pouco voltando ao mercado de crédito e retomando projetos adiados de consumo, como a troca do carro ou reforma da casa. A demanda por crédito calculada pela Boa Vista, por exemplo, vem se acelerando nos últimos meses.
O desemprego elevado e o fraco crescimento da renda, contudo, ainda restringem a capacidade de endividamento em outras modalidades, comprometendo assim os gastos em outros itens que não os de primeira necessidade.
Enquanto as vendas de móveis e eletrodomésticos registram queda de 1% no ano, e as de vestuários e calçados, de 3%, nos supermercados elas apresentam expansão de 4,6%, e de 5,4% nas farmácias e perfumarias.
Assim, diante da queda gradual do desemprego e das condições de financiamento mais favoráveis, pode-se dizer que o cenário do próximo ano para o varejo é positivo, com grande probabilidade de observarmos crescimento ligeiramente superior ao registrado em 2018 – algo na casa dos 3,5%.
Entretanto, dificilmente teremos uma expansão muito expressiva do setor a curto prazo – especialmente dos segmentos de bens duráveis e semiduráveis –sem um aumento significativo da taxa de ocupação, o que ainda não está no radar da maior parte dos economistas, que apostam na redução gradual do desemprego decorrente, entre outros fatores, do elevado nível de ociosidade na economia.
Em 10 anos, bens não duráveis (alimentos, medicamentos) ganharam participação nas receitas do varejo, tendência que deve se manter
Em 2018, de acordo com estimativas da Boa Vista elaboradas a partir dos dados da Pesquisa Anual do Comércio e da Pesquisa Mensal do Comércio, ambas do IBGE, as receitas de venda do varejo brasileiro (excluindo vendas de veículos e peças) deve atingir a cifra de R$ 1,6 trilhão, crescimento nominal de 177% em relação a 2008. No mesmo período, a inflação, medida pelo IPCA, foi de 78%.
Nestes dez anos, foi possível notar uma mudança na composição, por segmento, das receitas de vendas do varejo, com destaque para o crescimento da participação de alimentação e farmácias, e queda da parcela nas receitas de setores especializados como vestuário, móveis, eletrodomésticos e material de construção.
No caso do varejo alimentício, parte da explicação para o aumento da participação nas receitas de deve à alta dos preços dos alimentos (83% em 10 anos), superior à inflação do período. Já por trás da crescente participação das farmácias nas receitas do varejo, parece haver outros fatores estruturais: envelhecimento populacional e preocupação cada vez maior com a saúde.
Segmento de bens não duráveis investe na abertura de lojas, enquanto no setor de duráveis (móveis, eletrodomésticos), maior parte do investimento é em tecnologia e logística
Quem está acostumado a caminhar pelas ruas e avenidas das grandes cidades brasileiras já deve ter notado mudanças no perfil do comércio, com uma presença cada vez maior de farmácias e mercados de menor porte.
Por outro lado, é crescente a participação do e-commerceespecialmente em setores de bens duráveis (móveis, aparelhos eletrônicos e eletrodomésticos, por exemplo).
Uma breve análise dos números de sete das principais redes varejistas do país mostra que as estratégias de investimento dessas empresas estão alinhadas às mudanças observadas no setor.
Quando dividimos os investimentos em três tipos (1- Novas lojas, 2- Ampliação, remodelação e reformas, 3- TI, logística e outros), notamos que, no setor de móveis e eletrodomésticos, os investimentos que mais se destacam são em TI, logística e outros.
O investimento na abertura de novas lojas, por sua vez, é o menos representativo, ao contrário do observado, de maneira geral, nos setores de supermercados e farmácias.